O título deste post é um empréstimo do título do romance de António Cândido Franco acerca do amor entre Inês de Castro e D. Pedro de Portugal (que é lindíssimo e recomendo vivamente). Contudo este título enquadra-se muito bem na história que vos trago hoje. É uma história da qual não se fala muito, infelizmente. Não é tão trágica quanto a de Pedro e Inês mas comparam-se, certamente, na beleza. É a história de D. Isabel de Portugal e do Imperador Carlos V, com alinhavos da monarquia portuguesa e espanhola e da situação europeia do século XVI.
Isabel (1503 - 1539) era filha do rei D. Manuel I de Portugal e da sua
segunda esposa, Infanta Maria de Castela e Aragão. Era irmã do rei D. João III,
sucessor de seu pai. Cunhada de D. Catarina de Áustria. Avó do rei D.
Sebastião. Mãe do rei Filipe II (e foi por Filipe II ser seu filho, neto de D.
Manuel, que veio a ser rei de Portugal em 1580). Apresentei esta espécie de
árvore genealógica para que reparassem como toda a história de Portugal anda à
volta desta Dinastia, destas famílias e destas linhagens e como vale a pena
perder uma manhã ou uma tarde qualquer a ler e a conectar todos estes fios
condutores a um passado histórico rico e orgulhoso.
A infanta D. Isabel, como
primeiramente o foi, nasceu em Lisboa no ano de 1503. Foi uma época fenomenal
para Portugal. Com D. Manuel I como rei, as coisas em Portugal corriam muitíssimo
bem, com clima de paz interna, com as naus portuguesas a voltarem todos os anos da Índia carregadas
de especiarias - parecia que Portugal
iria, finalmente, ser um país muito rico e na "boca do Mundo".
Até o nascimento do seu irmão
Luís, em 1505, Isabel estava em segundo lugar na linha de sucessão ao trono
português. Contudo, sendo a filha mais velha de Manuel I, constituía um partido
político muito atrativo e o rei tinha para D. Isabel um grande projeto: casá-la,
nem mais nem menos, com Carlos V, seu primo em 1º grau. Carlos V (Carlos de
Habsburgo), imperador do Sacro Império Romano-Germânico, filho de Joana de Castela (Joana, "a louca") e de Filipe, "o Belo". Era neto
de Maximiliano I de Habsburgo e de Maria de Borgonha. Carlos V era o Senhor da
Europa, o mais ilustre príncipe da Cristandade. Dizem as fontes mais antigas
que, cada menina de sangue azul acabada de nascer, era já moldada para que
fosse, quem sabe, um dia a futura esposa do grande Imperador Carlos V.
Naquilo que li, esta ideia começou
desde muito cedo, pela cabeça de D. Manuel. Existe um auto de Gil Vicente,
"Exortação da Guerra", que diz o seguinte:
"(...)
Por vós mui
fermosa flor
ifante dona Isabel
foram juntos em torpel
per mandado do senhor.
O
céu e sua companha
e julgou Jupiter juiz
que fôsseis emperatriz
de Castela e
Alemanha.
(...)."
Este auto foi representado o rei D. Manuel em 1514, em
Lisboa. A personagem principal é um
Clérigo que desperta os mortos para profetizar o futuro, neste caso convoca as
figuras da Antiguidade: Policena, Pantasileia, Aquiles, Aníbal, Heitor e
Cipião. É então aqui visível o grande projeto para a pequena infanta que era
ainda D. Isabel. É certo que D. Manuel se esforçou muito para o conseguir mas morreu
antes de concluir as negociações do casamento. Recomendou-o, no entanto, no seu
testamento ao seu filho João III, pedindo que não desistisse enquanto não o
conseguisse. Realmente, D. João III prossegue com as negociações quase
imediatamente à morte do pai, em 1521. Esta união teve também o apoio dos
Parlamentos de Castela e Aragão.
Mas antes de vos contar como foi a
sua vida de casada, explico-vos primeiro a possível razão que levou D. Manuel a
realizar este casamento. Naquela altura, a Península Ibérica estava então a
atravessar um grande movimento para a unificação política - a península do
século XII esta dividida em seis reinos: Leão, Navarra, Aragão, Castela, Granada,
Portugal. Destes seis reinos, cinco já estavam unidos, faltava Portugal. Como é
que haveriam os Portugueses de defender a independência de Portugal? Na
política só existem dois caminhos: ou a guerra ou a paz. Por exemplo, D. Afonso
V, que foi pela guerra, perdeu. O seu filho, D. João II, optou pelo caminho da
paz e amor, ou seja, em vez de travar combates, travar casamentos. Assim, casa
os príncipes portugueses com princesas espanholas e vice versa. Este método
criava um clima de amizade entre os portugueses e espanhóis que, tendo que conviver
no mesmo espaço, mais valia que convivessem como amigos do que como inimigos. D.
João II casa o filho com uma princesa espanhola, mas o príncipe morre
prematuramente, seguindo-lhe D. Manuel no trono que casa com a viúva, D. Isabel de
Castela, que também morre pouco depois. D. Manuel, contudo, não desiste e casa
com a irmã de D. Isabel, D. Maria. Deste casamento resultam sete filhos. (Depois
de D. Maria morrer, em 1517, ainda vem a casar com uma sobrinha da mesma
senhora. A aliança estava sempre travada!).
Dos sete filhos, o primeiro é D. João, que vem a ser D. João III, e o
segundo é a infanta D. Isabel, de quem vos estou a falar. Os outros cinco são
de menor interesse. Nestes acordos nupciais, ficou também acordado que D. João
III casaria com D. Catarina de Áustria, a irmã mais nova de Carlos V, também
ela neta de reis católicos. Finalmente, casar D, Isabel com Carlos V, o
poderoso da Europa, era uma honra para Portugal, um prestígio. Realmente,
Carlos V tinha herdado 4 grandes heranças reais: da avó Isabel de Castela, o
reino de Castela; do avô Fernando de Aragão, o reino de Aragão; do avô
Maximiliano da Alemanha, a coroa imperial da Alemanha e, da avó Maria de
Borgonha, a Flandres e todos os Países Baixos. Isto fazia realmente um Império,
mas não um Império contínuo, pois era formado de regiões isoladas, o que
obrigava o Imperador a ter um enorme trabalho com guerras constantes, para as
quais precisava de dinheiro. E é isto que o leva a optar pelo casamento com uma
Infanta portuguesa, até porque podia casar com qualquer princesa europeia, se
não me engano.
A Infanta D. Isabel foi quem lhe ofereceu maior dote: 900 000 dobras
de ouro espanholas! Carlos V aceitou, então, casar com a Infanta Isabel,
puramente por razões políticas, porque precisava de um membro da Dinastia para
governar Espanha, Castela e Aragão durante as suas ausências e porque precisava
de dinheiro para fazer a guerra. O casamento foi realizado em Alcázares Reales
de Sevilla, em Sevilha, a 10 de Março de 1526, já a Infanta tendo 23 anos, não
muito nova, à luz da época.
Casamentos realizados por motivos
políticos, regra geral, caem em desgraça ("de Espanha, nem bom vento nem
bom casamento"), mas este casamento veio a revelar-se, realmente, num
casamento de amor. Dizem as fontes mais romantizadas que foi muito fácil para Carlos
V se apaixonar. De facto, D. Isabel é descrita como tendo um temperamento meigo,
ser muito bonita e afetuosa, muito inteligente, um pessoa deveras superior. O Imperador, que tencionava estar em
Sevilha apenas para o casamento, pega na sua mulher e vão para Alhambra de
Granada, na cidade homónima , onde passam seis meses de lua-de-mel. A
recém-imperatriz nunca mais se esqueceu disso, referindo em documentos que
foram os seis meses mais felizes da sua vida.
No seu testamento, pede até que lhe fossem enterrar em Granada, em
lembrança do tempo que ali tinha passado.
Mas esse tempo de amor não podia
durar muito. Carlos V, possuindo o Império que possuía, com uma Alemanha inquieta (onde surgira há
pouco tempo o Protestantismo de Lutero), com revoltas contra os senhores e com
o vulcão que também era a Itália, depois da grande lua-de-mel, sai de Espanha e
está 4 anos ausente. A correspondência que troca com a Imperatriz nesse espaço
de tempo é impressionante em número e em sentimento, que era deveras muito
forte.
A imperatriz foi uma colaboradora
extraordinária. Quando o rei estava longe, era ela a regente de Espanha, uma regente
prudente, inteligente, equilibrada. Durante anos ela governou todos os negócios
em Espanha - era como se existissem dois reis. O imperador viajava muito, porque,
para além de ser um homem muito poderoso é também superiormente inteligente e
tem um projeto: unir toda a Europa. Uma Europa só, com um chefe, uma fé, uma
política. O chefe é ele, a política é a da paz e a fé é a católica. Isto era
necessário, porque a Europa atravessava um grave perigo. Os turcos, vindo do
Oriente, tinham já atravessado o Mar Egeu, estavam já a cercar Viena - a Europa
ameaçava cair sob o domínio Otomano e, para se defender precisava unir-se, e o
chefe dessa união era Carlos V. Para além da ameaça otomana, havia a belicosa
Alemanha dividida pelas ideologias. Havia a França que queria manter a sua
independência e fez uma guerra terrível frente a Carlos V, que venceu, chegando
a prender o rei de França. Mas para combater tanta belicosidade era necessário
dinheiro e os países da Flandres eram os mais ricos. Carlos V aumentou os impostos,
a população revoltou-se e a política de Carlos V entrou em crise, com tudo a
ruir.
Foi neste clima de guerra e crise, em 1539, que a Imperatriz morreu durante a sequência do nascimento do seu sexto filho em Toledo, com 33 anos, sem a presença do Imperador. O Imperador afundou-se num grande desgosto que o acompanhou o resto da vida. Ele nunca mais esqueceu aquela mulher nem voltou a casar e vestiu-se de preto para o resto da sua vida. Quatro anos após ela morrer, ele contratou o artista de renome Ticiano, para que pintasse o rosto que se lhe tornava mais vivido a cada dia. Ticiano serve-se de outros retratos, naturalmente, e faz uma imagem linda (a que vemos na imagem inicial). Reparem que é uma mulher extremamente bela (pouco parecida com outros retratos disponíveis, no entanto). Mas é este retrato que o Imperador leva para o seu quarto. Ele continua com as suas obrigações no Império mas, após 40 anos de guerras intermitentes, em 1556 Carlos V chega à conclusão que o seu sonho não é possível. A Europa não consegue ser unida. Então, quando tem 56 anos, em 1556, reúne em Bruxelas uma grande reunião e abdica do trono. A coroa de Espanha foi para o seu filho, Filipe II. No ano seguinte abdicou a coroa da Alemanha ao irmão, D. Fernando e isolou-se num convento em Espanha, o convento de Yuste. Em frente ao seu leito de morte, a presença do rosto que nunca esquecera. E foi de olhos postos na princesa portuguesa que Carlos V expirou pela última vez, a 21 de Setembro de 1558, vítima de malária. Amou-a na vida e na morte.
Foi neste clima de guerra e crise, em 1539, que a Imperatriz morreu durante a sequência do nascimento do seu sexto filho em Toledo, com 33 anos, sem a presença do Imperador. O Imperador afundou-se num grande desgosto que o acompanhou o resto da vida. Ele nunca mais esqueceu aquela mulher nem voltou a casar e vestiu-se de preto para o resto da sua vida. Quatro anos após ela morrer, ele contratou o artista de renome Ticiano, para que pintasse o rosto que se lhe tornava mais vivido a cada dia. Ticiano serve-se de outros retratos, naturalmente, e faz uma imagem linda (a que vemos na imagem inicial). Reparem que é uma mulher extremamente bela (pouco parecida com outros retratos disponíveis, no entanto). Mas é este retrato que o Imperador leva para o seu quarto. Ele continua com as suas obrigações no Império mas, após 40 anos de guerras intermitentes, em 1556 Carlos V chega à conclusão que o seu sonho não é possível. A Europa não consegue ser unida. Então, quando tem 56 anos, em 1556, reúne em Bruxelas uma grande reunião e abdica do trono. A coroa de Espanha foi para o seu filho, Filipe II. No ano seguinte abdicou a coroa da Alemanha ao irmão, D. Fernando e isolou-se num convento em Espanha, o convento de Yuste. Em frente ao seu leito de morte, a presença do rosto que nunca esquecera. E foi de olhos postos na princesa portuguesa que Carlos V expirou pela última vez, a 21 de Setembro de 1558, vítima de malária. Amou-a na vida e na morte.
É uma história bonita de uma grande
portuguesa que ajudou a fazer a paz na Península e de um grande homem e
imperador que tentou manter a paz e a união na Europa.
Carlos V, armado -
Existem vários documentos, enciclopédias e livros em que podem encontrar os factos de que falo neste post, contudo, e fazendo uma nova recomendação literária, aconselho o livro "Imperatriz Isabel de Portugal. Filha de D. Manuel I, Mulher de Carlos V, Mãe de Filipe I, Avó de D. Sebastião" de Manuela Gonzaga. É muito bem escrito e conta-nos muitas outras coisas para além da história de D. Isabel de Portugal, como um bom livro assim o deve fazer.
Até ao próximo post!
Muito bom, adorei. Mas soube a pouco. Orgulho da Mãe!
ResponderEliminarCármina Carvalho